O contexto tecnológico de um produto refere-se aos aspectos de sua implementação concreta. As engrenagens, rotinas de processamento, interface com o usuário e todos os outros elementos materiais e virtuais fazem parte desse contexto.
Para viabilizar seus projetos, o designer de interação precisa conhecer muito bem o contexto tecnológico em que o produto está inserido. Ele não precisa saber como funciona cada engrenagem, porque isso é função de engenheiro, mas precisa ter uma noção geral das capacidades e limitações das tecnologias disponíveis. Projetar sem considerar esse contexto não é projetar, é sonhar.
Entretanto, para a maioria das pessoas, esse é o único contexto que conseguem distinguir num produto interativo. O problema é que o contexto tecnológico sozinho não é capaz de mudar a vida do usuário. Para ter algum impacto, o produto precisa estar inserido num contexto simbólico, social e cultural que seja relevante para o usuário. Esses contextos podem ser estudados, criados ou transformados e é exatamente nisso em que se concentra o Design de Interação.
O contexto simbólico refere-se à linguagem da interface com o usuário, ou seja, como ela "conversa" com o usuário. A interface explica ao usuário como funciona o sistema e o usuário age sobre ele através de uma linguagem de interação. Nessa linguagem, o input do usuário e o output do sistema são os verbos, os elementos widgets da interface são os substantivos e a apresentação define seus adjetivos. A analogia poderia continuar ad infinitum, mas o mais importante é garantir que a linguagem tenha sucesso em três quesitos:
- sintático (deve haver regras consistentes na utilização dos signos)
- semântico (os signos devem ter algum significado)
- pragmático (os signos criados pelo usuário - input - devem ter efeito no estado do sistema e os signos exibidos pela interface - output - devem ter efeito no usuário)
O famoso experimento Dontclick.it subverte a sintática padrão de uso do mouse, o clique para ativar um elemento. Até aí tudo bem, afinal, a nova sintática é consistente: o posicionamento do mouse sobre áreas bem demarcadas tem o mesmo efeito no sistema.
Entretanto, a semântica do ponteiro sobre um elemento proeminente que parece clicável é tão forte que pode levar ao usuário a clicar sem querer. Nesse momento, a interface dá um susto no usuário, causando prováveis reações emocionais:
Já que o objetivo do experimento era justamente mostrar o quanto o clique está impregnado na linguagem de interação do computador, a subversão da sintática e da semântica contribuiu para a pragmática.
Agora veja esse diálogo super criativo e inovador que criei para uma Rich Internet Application em Flash com alta interatividade e animação:
Por mais criativo que eu tenha sido, meu diálogo tem problemas em todo os quesitos. Primeiro, a posição, cor e rótulos dos botões não estão de acordo com a sintática da maioria dos diálogos de outras aplicações similares. Segundo, o usuário não sabe o que significa os termos técnicos do texto e, consequentemente, a semântica da caixa de diálogo como um todo fica comprometida. Terceiro, diante desse cenário, possivelmente o usuário vai achar que clicou no lugar errado e vai tentar cancelar o diálogo clicando no botão X, que fechará o aplicativo sem salvar os dados e causará uma frustração muito grande ao usuário quando ele descobrir que seu trabalho foi desperdiçado.
O contexto social abrange o contexto simbólico de um usuário particular e dos demais com os quais ele se conecta através do sistema, mas o foco não é nas características da linguagem de interação em si, mas sim em como ela é usada para mediar as relações sociais.
A Conversation Table é uma mesa especial que permite visualizar a dinâmica de uma conversa. Um microfone em cada lado mede o volume e a duração de cada fala e as bolinhas do centro acendem de perto da pessoa que está falando em direção a pessoa que está escutando. Se as duas pessoas falam ao mesmo tempo, as bolinhas começam a acender de ambos lados e se encontram no centro.
Não tive o prazer de testar, mas creio que a mesa deve contribuir para uma conversa mais equilibrada. Em geral, as pessoas não percebem quando estão dominando uma conversa ou falando alto demais. A visualização pode ser usada pela pessoa que tem tendências a dominar conversas como um lembrete de que deve deixar o outro falar ou pode ser usada pela pessoa que está falando menos como argumento para mudar o rumo da conversa.
Agora imagine que interessante jogar Pulse Race, um jogo hipotético no qual ganha a corrida de cavalos quem tiver o menor batimento cardíaco:
Nas primeiras vezes, o jogador se concentrará apenas em controlar suas batidas do coração, mas logo tentará atrapalhar o jogador ao lado estimulando-o de alguma forma (careta, sinais, fala). Quando tenho que lidar com uma criança agitada, costumo usar um jogo parecido para acalmá-la: "quem ri primeiro perde". Sempre funciona!
Jogos são excelentes exemplos de mediação social. Desde os jogos de tabuleiro até os jogos multi-player online, a interação social é o principal motivo pelo qual as pessoas jogam esses jogos. Apesar do vencedor elevar seu status social, o mais interessante do jogo são as conversas, as situações inusitadas, a sensação de pertencer a um grupo, a descoberta da personalidade da outra pessoa, a comparação entre você e os outros e por aí vai.
Enquanto a indústria de jogos já trabalha intensamente com o contexto social há tempos, a indústria de aplicativos ainda está engatinhando. Os computadores só se tornaram populares quando começaram a oferecer ferramentas viáveis para interação social. Se os projetistas desses aplicativos observassem melhor como as pessoas interagem naturalmente, poderiam tornar a mediação muito mais adequada.
Quando um produto não oferece interação direta entre as pessoas, a tendência é desconsiderar o contexto social. Num website que disponibiliza informações institucionais pode parecer à primeira vista que não há nada a se fazer sobre isso, mas se for importante que o website seja encontrado em buscadores, é essencial entender as situações em que as pessoas poderiam entrar no website.
Num trabalho recente, o cliente me pediu para otimizar seu site para o termo "pedagogia empresarial", porque era um termo criado por um dos integrantes da empresa que acabou pegando no mercado. Entretanto, ao analisar os resultados no Google, notei que a maioria se referia a atividades de ensino, ou seja, o termo "pedagogia empresarial" era mais usado na academia do que no mercado. Como a atividade da empresa não era acadêmica, propus que o termo fosse "relações humanas no trabalho" e o cliente aceitou. Hoje, a página-isca para esse termo é a mais acessada do site através de buscadores.
O contexto cultural é o contexto simbólico do contexto social. O imaginário coletivo, os tabus, os padrões comportamentais generalizados, os estereótipos, as crenças e os rituais de uma determinada população são apenas alguns dos aspectos de uma cultura.
Apesar de ser possível encontrar elementos comuns dentro de uma população, a identificação dos limites de uma cultura é muito mais difícil do que os limites geográficos de um país. Um mesmo país pode ter diferentes culturas que se mantém distintas em determinadas regiões e que se misturam em outras. Além disso, a cultura está em constante transformação, seguindo a dinâmica social. O que estava na moda há alguns anos atrás já não é mais aceito nos dias de hoje.
É por esse motivo que é preciso uma mente bem aberta para encarar o contexto cultural em que será introduzido um produto. É preciso conhecer as pessoas que fazem parte dessa cultura, como essa cultura se formou historicamente e quais são suas características marcantes. Como isso não é algo que possa ser expresso em planilhas, o papel do designer é crucial para entender e internalizar a cultura do usuário.
Todo designer sabe que assistir televisão, ir ao cinema, passear no shopping, ir numa exposição de arte, ler ficção e outras atividades que parecem recreativas são na verdade aulas sobre a cultura onde ele vive. Quando se realiza essas atividades com um olhar crítico, fugindo do lugar-comum, o designer passa a atuar como um antropólogo. Essa prática é importante, pois prepara o designer para encarar o maior de seus desafios: entender uma cultura a qual não faz parte.
Quando se introduz um artefato numa cultura, ele pode tanto impulsionar grandes transformações quanto ser completamente rejeitado.
Quando o pager foi introduzido no mercado brasileiro, fez sucesso entre profissionais que ficavam longe de telefones fixos. Na época, os telefones celulares ainda eram caros demais para a maioria dos negócios. Apesar de acessível, na minha opinião o serviço não era adequado para uso pessoal, pois o procedimento de envio e recebimento de mensagens não facilitava o fluxo emocional: era preciso ligar para uma central e falar com uma telefonista a mensagem. Isso era muito constrangedor se a mensagem parecesse banal ou de cunho emocional. Tão logo os celulares baratearam, o pager foi substituído. Tentaram reintroduzir o pager recentemente a um preço mais barato que o celular mas não pegou. O celular pode ser mais caro, mas permite uma comunicação muito mais fluida e emotiva entre as pessoas.
Em outros países, a história é um pouco diferente. O mesmo pager ainda é usado nos Estados Unidos, onde ainda atende as necessidades comunicativas de um determinado público profissional.
Assumindo a incerteza
Toda essa contextualização é para mostrar que o trabalho do designer de interação é muito mais amplo do que parece. O design de interação se aproxima da arte quando encara o resultado do processo de criação como uma obra aberta para múltiplas interpretações.
O produto interativo não está acabado quando termina a implementação, pelo contrário, isso é só o começo. O uso que se faz de um produto é o que define o que ele é. Posso criar uma coisa com a intenção de ser usada de uma determinada forma e os usuários usarem de forma totalmente inesperada.
O pregador de roupa, por exemplo, foi criado originalmente para...hmmm... pregar roupas, mas as pessoas usam ele de muitas outras formas:
Quando o pregador é usado como brinquedo ele é outra coisa diferente do que quando é usado para fechar embalagens. A constituição física não muda, mas a relação com o usuário muda radicalmente. Como o homem define as coisas de acordo com relação entre as coisas e ele mesmo, a definição do produto muda de acordo com seu uso.
Se você está achando esse papo abstrato demais, veja essa propaganda:
Nesse caso, o pregador foi usado pela propaganda de forma bem conhecida, mas num contexto inusitado. Esse contexto transforma o pregador de um engraçado tampão de nariz (usado em histórias em quadrinhos, desenhos animados e brincadeiras de criança) num fetiche de castidade. Agora veja exatamente o contrário:
Se você ainda não se convenceu que o uso define o objeto, sugiro tentar usar pregadores como nesses exemplos. Sei que você não vai mudar de idéia, mas talvez descubra um lado seu que você não conhecia e mude quem você é...
Vale ressaltar que, se o pregador tivesse sido feito justamente para apertar o mamilo ou o nariz, certamente não teria o mesmo efeito estimulante ou jocoso.
Rumo à inovação
A situação de uso inusitada é justamente a oportunidade para a inovação que toda empresa deseja. Quando um produto já está no mercado, só resta a empresa ignorar ou aproveitar a situação para tirar vantagem do uso inesperado. Porém, quando ela pode prever o uso antes de lançar o produto, o uso deixa de ser inesperado e passa a ser criado. Quando um produto permite fazer algo que um determinado público gostaria de fazer e nunca pôde, então ele abre um novo mercado e tem grandes chances de dominá-lo por ter saído na frente.
O designer de interação interessado em inovar precisa conhecer muito bem o contexto de uso do produto antes dele ficar pronto. O Design, de um modo geral, já trabalha com esse contexto há tempos, porém, existem poucas referências para encarar a complexidade do assunto, sem reducionismos e generalizações. É por esse motivo que estou pensando em me debruçar sobre essas questões na minha Dissertação de Mestrado. O que você acha?
Frederick van Amstel